terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Ay, Candela!


  E o filme escolhido para hoje é "El Amor Brujo" (Amor Bruxo), baseado na obra musical de Manuel de Falla. O filme integra uma trilogia a qual pertencem também "Bodas de Sangue e "Carmen", em que todos são dirigidos pelo diretor Carlos Saura.
  O filme narra as estórias de Candela (Cristina Hoyos), prometida desde criança a casar-se com José (Juan António Jimenez), porém a figura de Carmelo (Antonio Gades), o qual é apaixonado pela nossa personagem principal, também desde pequeno, atormentara a vida do futuro casal.
  Crescidos, Candela e José finalmente se casam e é durante as festividades da cerimônia que José envolve-se em uma briga a fim de proteger sua amante Lucía (Laura del Sol). Ao final da confusão, com as chegada da polícia, José acaba sendo assassinado com uma punhalada. Carmelo acaba sendo acusado da morte e portanto é preso. Passados quatro anos, ele sai da cadeia e retorna à vila em que morava. Ao voltar descobre que seu grande amor vive uma prisão à alma de José. Candela toda noite vai ao local da morte de seu marido em busca de visões do seu esposo.
  Entre alucinações e realidades, o amor de Carmelo por ela vem à tona, ao passo que as traições de José são reveladas à sua viúva, que acaba cedendo aos encantos do ex-presidiário. Mas até o final triunfante do novo casal da vila, haverão muitas situações de desvencilhamento de Candela com a alucinação que tem do seu marido morto.
  O filme destaca muito bem a emoção sofrida que é carregada na Dança Flamenca. E isso é um ponto positivo. Talvez pensem até que é muito "drama mexicano", mas o sofrimento flamenco, como qualquer sentimento que intencione um movimento dançado, parte do centro do corpo humano para às extremidades.
  Bom, ao meu ver, encontro um único grande problema de roteiro. Carmelo foi acusado da morte de José, sendo que fica óbvio no filme que foi uma acusação errada, ele é preso, passa quatro anos na cadeia, e ninguém, principalmente Candela que sabe disso, faz nada para impedir que os policiais o levem.
  Como todo bom filme de dança, todos os acontecimentos são contados e depois dançados, ou até mesmo dançados logo de cara. A dança é utilizada, como penso eu que deve ser, como uma atividade fim e não como meio de algo. Ela é trabalhada de forma a passar os sentimentos humanos através da variação do fluxo de energia, portanto da intenção do movimento. E no caso de filmes, conta algo para quem assiste. Portanto, uma atividade que denota finalidade.
  A sequencia de movimentos que narram o encontro, diariamente, noturno entre Candela e José é iluminado com um azul escuro, que representa a madrugada e também a passividade, medo, angústia, carência e sentimentos do tipo que são presentes em Canela pela morte do marido e que fazem-na presa a essa memória. O figurino que a atriz Cristina usa nesses encontros é o mesmo do dia em que a personagem de Juan Antonio foi morta. Uma blusa rosa de mangas compridas, em que a tonalidade rosa significa a fragilidade, ao amor altruísta pela alma de José, o romantismo, doçura, personalidade melosa, o amor espiritual, a espiritualidade mais aguçada, entre outros significados, os quais estão presentes na personagem de Hoyos. Jímenez está vestido com uma blusa branca e uma calça preta manchada de sangue no local da punhalada. O branco denota a paz que a personagem tem ao encontrar sua esposa toda noite, a alma, já que ele é um espírito, além de ser o esposo dela. O preto fala ao enterro, ao funeral, ao mundo sombrio em que ele vive, à condolência que quer, à obscuridade, ao mal, à miséria, à sordidez, à tristeza, à dor, à melancolia, ao pessimismo e à angústia que são sentimentos vividos pelo agora espírito de José. Até a volta de Carmelo, Candela mantinha o luto pelo marido. Após ela começa a vestir-se com outras cores, que representam a quebra do luto e aos novos horizontes que esperava.
  Lucía veste-se sempre com cores vibrantes e saias floridas. A cor mais comum vestida pela personagem de Laura dal Sol é a laranja que representa a competição por José e portanto às atitudes agressivas para tomar tudo que Candela conquista. Também ao desejo por José, ao tesão, à excitação, à tentação e a advertência por querer o marido de outra e à sexualidade, força e prazer pela personagem de Juan. As cores presentes nas saias de Lucía são vermelho, laranja, azul e branco que significam amor, sexo, paz, passividade, calor, tesão, carência, personalidade dinâmica que recorre a atos baixos para conquistar seus objetivos, coragem, vulgaridade, paixão, dignidade, afirmação, deleite, fidelidade, amor profundo e etc. Enfim uma mistura de sentimentos que prescrevem muito bem a instabilidade psicológica dessa personagem.
  As coreografias de declaração de amor de Carmelo por Candela e posteriormente as de consagração desse amor são muito bem pensadas. A que destaco é justamente a penúltima, em que Candela dança a exorcização do espírito de seu marido de sua vida, para viver com o seu novo amor. Uma sequencia de takes que são compostos pelas cores vermelho, laranja, marrom, perto, e amarelo, que representam o fogo, em que a exorcização de José é simbolizada materialmente, já que o fogo representa a libertação dos espíritos perturbadores, além  de significarem também sentimentos já mencionados anteriormente. E na última coreografia do filme sela de verdade o amor de Carmelito e Candelita e Lucía dando sua vida ao seu amor José para vivê-lo além da vida.
  Vale ressaltar que Carlos Saura filmou "El Amor Brujo" dentro de um estúdio em que deixa claro para o telespectador, desde o início, esse fato e sua iluminação é cênica, substituindo a natural. Coisa que o diretor Lars Von Trier fez no filme "DogVille", muitos anos mais tarde.
  "El Amor Brujo", produzido em 1986, baseado no livreto de Gregorio Martínez Sierra, tem direção de Carlos Saura, roteiro adaptado por Carlos Saura e Antonio Gades, musica de Manuel de Falla, coreografias de Carlos Saura e Antonio Gades, figurinos de Gerardo Vera, fotografia de Teo Escamilla, com duração aproximada de 99 minutos, incluindo os créditos finais.

Texto: Ricardo Montalvão

Referências:
TETI JÚNIOR, Ricardo Falcão. Análise da iluminação, a partir do Teatro de Brecht, no filme "Dogville". SAMPAIO, José Roberto Santos. (orientação).

2 comentários:

  1. Aprendi a gostar de estórias com personagens que vivem uma realidade paralela vendo "O fantasma da ópera". Belas considerações suas, Rick, sobre o filme, tão boas estas que fiquei curioso para vê-lo. haha

    ResponderExcluir
  2. Gosto muito de ver sua dedicação na pesquisa sobre o filme, vc é realmente muito comprometido. Sinto falta apenas de uma opinião mais pessoal, suas impressões... quero saber dos seus sentimentos mais "efusivos" sobre os filmes, isso é muito bacana!

    Abraços Rick!

    ResponderExcluir