terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Buonarroti em agonia e êxtase


  E o filme de hoje é "Agonia e Êxtase".
  “Agonia e Êxtase”, com direção de Carol Reed e roteiro adaptado de Irving Stone e Phillip Dunne, que foi baseado no livro homônimo de Stone, conta a história do artista renascentista Michelangelo Buonarroti, interpretado no filme pelo ator Charlton Heston, que foi obrigado a pintar o teto da Capela Sistina a mando do, então, papa Julio II, feito pelo ator Rex Harrison. A princípio o artista se recusou, pois, para ele, a obra haveria de partir de uma inspiração do ser humano e não mais encomendada por terceiros. Isso é explicado porque o artista no século XVI passa a ser considerado como um gênio, o detentor do poder de criação, quase um deus, em que ele produz suas obras a partir de seus desejos, intuições, inspirações, e não por encomendas.
  Após ser obrigado a aceitar a encomenda, Michelangelo chega a destruir seus primeiros afrescos e foge de Roma. Durante sua fuga, ele tem, então, a inspiração para pintar o teto da capela Sistina. Como foi caçado pelos cavaleiros da Igreja, acaba se entregando, retorna a Roma, perde perdão a Julio II, que embora tenha se recusado a priori, acaba aceitando-o de volta. E assim, esse famoso artista renascentista, que era grande escultor e arquiteto, e há quem diga que também era um profundo conhecedor da anatomia humana, pinta pela primeira vez.
  De acordo com os escritos feitos, sobre o período Renascentista, durante as aulas da disciplina Estética e História da Arte II, ministradas pela professora Danielle Virginie S. Guimarães, durante o semestre 2011.3 do curso de licenciatura em teatro da Universidade Federal de Sergipe, no campus de Laranjeiras, podemos perceber no filme a relação de estratégia de poder em que políticos se utilizavam da arte como forma de legitimar a sua força, caso bastante evidente na atitude do papa Julio II ao obrigar Michelangelo Buonarroti a pintar o teto da capela Sistina, para satisfazer seus caprichos, como também se valendo do poder católico em suas mãos perante a adoração religiosa presente no artista. Essa atitude do papa caracteriza também o mecenato político, em que a nobreza e o clero financiavam os artistas a fim de que tivessem suas vontades transformadas em arte.
  Temos um período em que economia deixa de ser vinculada ao campo, feudalismo, e passa a ser ao comércio, temos o surgimento da classe burguesa e, portanto, o capitalismo é instituído como sistema econômico. Junto a isso, surgem novos pensamentos quanto à posição do homem em relação ao mundo. São os conceitos de antropocentrismo, heliocentrismo, o racionalismo, o naturalismo e o humanismo. O homem é visto como o centro do mundo; a Terra gira ao redor do sol; a fidelidade às formas; surgem os primeiros estudos anatômicos; o homem passa a ser independente; e surge o conceito da crítica, não só quanto aos outros, mas, também, à si próprio. Quanto à crítica, Buonarroti critica a si mesmo por aceitar pintar o que o papa lhe encomenda, que seriam os doze apóstolos. Ao exercer a crítica sobre ao que seria a sua obra que não expressaria a sua vontade, os seus desejos, mas sim algo direcionado, retratando, portanto, a vontade de outro, o que contradiz o conceito de artista dessa época, Michelangelo destrói as primeiras pinturas, foge de Roma e durante essa fuga, ele tem a percepção do que verdadeiramente quer pintar, volta ao papa e como tem o dom da retórica acaba por convencer o chefe da igreja católica a aceitá-lo e a deixá-lo pintar o que deseja, ou seja, trechos do antigo testamento, da gênesis, como nos são mostrados no próprio filme. Nesse meio tempo o antropocentrismo fica claro a partir de quando o homem dita o que quer criar, mas principalmente ao final do filme, no momento em que o papa diz ao seu pupilo que só os artistas e os santos são os que mantêm um contato maior com Deus, ao contrário dele. Ou seja, o Deus católico é subjugado ao poderio humano.
  Não posso esquecer de mencionar, rapidamente, sobre a vida do artista em questão no filme. Michelangelo Buonarroti, nascido em Florença, berço do Renascimento e o berço artístico do mundo, na época, sendo acolhido e criado pela família Médici, com quem iniciou os seus aprendizados artísticos e científicos, pois ele adentra o período Maneirista, que é quando o artista se torna um cientista, momento em que a arte é considerada um ramo da ciência. Ao sair de Florença para ir a Roma, executar seu trabalho, temos aí mais um princípio do Renascimento, em relação ao mecenato. Os artistas, ao serem patrocinados, começam a viajar para outras cidades, a fim de realizarem suas obrigações com seus patrocinadores. A família Médici, por exemplo, foi o principal mecenas dos artistas da época. Ela produziu e financiou não só Buonarroti, mas tantos outros tão importantes quanto ele.
  Saindo de um brevíssimo histórico sobre as origens de Michelangelo e voltando ao filme, quanto ao conceito do naturalismo aplicado à época, mais precisamente aos estudos anatômicos, fica extremamente fácil identificarmos eles a partir dos corpos das personagens retratadas, porém com um sentido muito mais profundo, não só apenas como imitação da realidade, mas sim como a busca de uma beleza clássica com um caráter espiritualizado, que nos faz caminhar para a contemplação do divino.
  E finalizando, outro conceito que não pode ficar de fora é o do que seria o Humanismo. No filme podemos percebê-lo no exato momento em que Michelangelo está em uma taberna, bebendo um copo de vinho e, ao degustá-lo, informa que a bebida está azeda. Nino, dono do estabelecimento, chateado, desafia o artista, mas ao provar, percebe que o seu cliente tem razão e quebra o tonel de onde a bebida foi retirada e fala em voz alta, “Se o vinho está azedo, jogue-o fora”. Ou seja, de acordo com “O Livro das Religiões” dos autores Victor Hellern, Henry Notaker e Jostein Gaarder, ao pegarmos essa metáfora como base, nos é mostrado, no livro, que a atitude humanista para com o ser humano é positiva e otimista. O homem tem grande valor e potencial. Ele é naturalmente bom. É considerado um ser espiritual, portanto, tem mais capacidade e mais potencial do que qualquer criatura, sendo assim, nenhum homem pode ser usado como meio para algum outro fim. Para os autores Hellern, Notaker e Gaarder, “O objetivo ideal é que todos os seres humanos consigam realizar seu potencial e seus talentos. A felicidade e a realização do individuo são, portanto, fundamentais no humanismo.” (HELLERN, NOTAKER, GAARDER, 1989, p.258). Sendo assim, Buonarroti retorna à capela, pensando a cerca daquela frase e decide destruir os primeiros afrescos que começara a fazer sobre os doze apóstolos. Essa atitude justifica a presença do Humanismo no filme de Carol Reed.
  Portanto, podemos perceber que o filme de Carol Reed é bastante eficaz em retratar os pensamentos vigentes do período renascentista, como também com uma produção impecável a qual lhe fez render uma indicação ao Oscar de Melhor Fotografia naquele ano. Sem nos esquecermos da bela trilha sonora, direção de arte, figurinos, maquiagem, cenários, entre outros fatores necessários a tal feito. Vale ressaltar as brilhantes atuações dos atores principais que nos fizeram, juntamente à direção, roteirização, montagem, edição, efeitos visuais e auditivos, ter uma noção de como pode ter sido vivido esse momento há pouco mais de 500 anos, nos permitindo mergulhar a fundo na relação entre o clero e as artes, entre os dogmas católicos e a ascensão do pensamento humanista, e que mesmo sendo contra as aparentes loucuras de Michelangelo, o papa Julio II o defendeu dos seus subalternos e da sociedade da época.
  "Agonia e Êxtase" tem direção de Carol Reed, roteiro adaptado por Irving Stone e Phillip Dunne, adaptação do livro homônimo de Irving Stone, com duração de 134 minutos, aproximadamente, produzido em 1965.

Texto: Ricardo Montalvão.

REFERÊNCIAS:

AGONIA E ÊXTASE. Direção: Carol Reed. Estados Unidos. Intérpretes: Charlton Heston, Rex Harrison, Diane Cilento, Harry Andrews, Alberto Lupo, Adolfo Celi, Venantino Venantini, John Stacy, Fausto Tozzi, Maxine Audley, Tomas Milian, entre outros. 20th Century Fox, International Classics. 1965. 1 dvd (134 minutos): son. Color. DVD.
___________________. Disponível em http://www.filmesepicos.com/2009/04/agonia-e-extase-1965.html#.TxSo6KVrO7g. Acessado em 16 de janeiro de 2012.
___________________. Disponível em http://www.ocinefilo.com.br/ocinefilo/movieTitle.action?titleid=2782. Acessado em 16 de janeiro de 2012.
___________________. Disponível em http://www.2001video.com.br/detalhes_produto_extra_dvd.asp?produto=9493. Acessado em 16 de janeiro de 2012.
HELLERN. Victor., NOTAKER. Henry,. GAARDER. Jostein,. O Livro das Religiões. LANDO. Isa Mara,. (tradução). 7ª reimpressão. Cia das Letras. São Paulo, 1989. Disponível em http://pt.scribd.com/doc/2088322/84/As-caracteristicas-basicas-do-humanismo. Acessado em 16 de janeiro de 2012.
MICHELANGELO BUONARROTI. Disponível em http://www.casthalia.com.br/a_mansao/artistas/michelangelo.htm. Acessado em 16 de janeiro de 2012.
TETO DA CAPELA SISTINA. Disponível em http://www.casthalia.com.br/a_mansao/obras/michelangelo_teto.htm. Acessado em 16 de janeiro de 2012.
VEIGA. Bernardo,. Agonia e Êxtase. Disponível em http://www.aquinate.net/revista/caleidoscopio/atualidades/atualidades-7-edicao/Sinopses/01-agonia-e-extase.pdf. Acessado em 16 de janeiro de 2012.

Um comentário:

  1. Salut, mon petit!!!
    Texto bom de ler, fluido. Eu só lembraria que a saída do Feudalismo para o Renascimento implica deixar de ver o Deus como razão de todas as coisas e passar a ver o Homem como fundamento do mundo. Deixamos para "olhar para cima", para "olhar para baixo" e aí passamos a ver o homem e seus corpos etc. A outra coisa que lembrei quando li seu texto é que o Renascimento é uma retomada da arte e arquitetura grega e a referência ao belo nos afrescos e esculturas do século XVI ao XVII remete à estética antiga ;)
    Beijo lindinho!!! Está de parabéns!!!

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