terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Cold Mountain em chamas.




  Após 9 meses sem novas postagens, devido à minha vida ter sido direcionada e dedicada à minha formação em Licenciatura em Teatro, pela Universidade Federal de Sergipe, eis que prestes a entrar de férias e com a necessidade de fazer uma relação sobre a indumentária do século XIX e os figurinos usados no filme, a película de hoje é "Cold Mountain" de Anthony Minguella, que em português recebeu o mesmo título.
  Iniciaremos com a sinopse do filme, em seguida faremos uma explanação dos movimentos artísticos e arquitetônicos da época, para que no final se possa entender a relação entre essas produções e a indumentária do século XIX.
  “Cold Mountain”, produzido em 2003, se passa nos Estados Unidos de meados do século XIX, mais precisamente se inicia em 1864 e permeia o ano mencionado, como também um passado recente de três anos antes, e conta a estória de Ada Monroe (Nicole Kidman), que ao se mudar de Charlinsgton para Cold Mountain, pois seu pai, o reverendo Monroe (Donald Sutherland), é encarregado de chefiar a igreja daquele local, conhece Inman Balis, por quem se apaixona instantaneamente. Tudo iria muito bem, se não fosse o contexto histórico em que o filme se passa durante todo o percurso da Guerra Civil Americana, o que acaba por levar Inman de Ada para a guerra. Logo depois o pai de Ada morre e ela fica à deriva naquela cidade, sem ninguém para ajudá-la a cuidar de sua fazenda, sem dinheiro, tendo que pedir comida aos moradores da cidade, para que possa sobreviver.
  Após sofrer bastante, Ada recebe a visita de Ruby (Renée Zellweger), mandada por sua amiga Sally Swanger (Kathy Baker), para ajudar a cuidar da fazenda e a partir daí cria-se uma relação de amizade muito forte entre as duas. Enquanto isso Ada espera, veementemente, Inman voltar da guerra, para poder viver o grande amor que tem por ele. Ele, por sua vez, demonstra o mesmo sentimento por ela, já que resolve fugir da guerra e voltar para a sua amada.
  Durante este século no âmbito das artes plásticas, seguir um estilo não era a tendência, não havia um estilo definido; mudou-se o conceito de arte para o de Arte, ao mesmo tempo em que ela passava a se basear na teoria expressionista da Arte, ou seja, a arte como expressão da personalidade, dos sentimentos; o artista decidia o que produzia, fazendo com que a figura do mecenas desaparecesse, com isso houve a comercialização da Arte, e as escolas do Impressionismo, Romantismo, que influenciou a indumentária da época, o teatro e a dança, e o Realismo, que teve forte participação no teatro, se constituíram na época; os artistas fazem as paisagens externas de seus ateliês, ou seja, a produção artística passa a ser em locais não convencionais, Paris se torna a capital artística, inaugurando o período da Belle Epoque e cria-se o estilo da Art Noveau, baseada em linhas sinuosas, inspiradas nas formas vegetais, de acordo com o livro “História da Arte” de Gombricht. Já na arquitetura, não se possuía um estilo próprio e iniciam-se as construções em larga escala, o que na indumentária será visto no século XX com a criação do Pret-a-Porter, roupa padronizada em larga escala.
  No teatro, o romantismo tem seu maior impacto no drama, na interpretação e realização cênica, embora “O teatro (...), veio a ser nesta época associado às técnicas de palco e padrões sociológicos e organizacionais, cujos princípios parecem, à primeira vista, ter escapado a qualquer influência saliente de movimento romântico.” (BERTHOLD, 2005, p. 430). A comercialização da arte não fica restrita apenas às visuais, atinge também a teatral, tantp que Shakespeare é traduzido, pela primeira vez, e ganha toda a Europa. Já o teatro realista deveria desnudar o abuso social e discutir o relacionamento entre ser humano e sociedade, se tornando um teatro útil, de acordo com as palavras da autora Margot Berthold em seu livro “História Mundial do Teatro”, na pagina 441. Esse período foi marcado por longas temporadas, festivais de teatro e pelo uso da iluminação com luz à gás e tochas.
  Na dança, o romantismo imperou. A busca pelo amor inatingível levou à criação das sapatilhas de pontas, que só deveriam ser usadas pelas mulheres, a fim de desafiar o equilíbrio, ao mesmo tempo, manter uma figura leve, livre, intocável, admirada, quista, amada, mas que esse amo jamais seria concretizado no âmbito terreno, mas sim no âmbito celestial. Portanto, o ballet romântico era direcionado para a leveza da bailarina. Houve a liberação do movimento dançado, não havia uma técnica, mas sim um estilo, com isso a fluência energética era continua, sem interrupções. Surgem então os ballets de repertório, ou seja, ballets que contavam estórias, com começo, meio e fim, e que jamais seriam mexidos, quanto às sequencias de movimentos. Isso significa que eles se tornaram obras de comparação e, principalmente, verdadeiras obras de arte que, se alteradas, perderiam seu valor. Marcus Petipá vem então para tecnicizar o ballet romântico, tendo como intuito uma boa execução dos movimentos e não mais era importante a comoção, a catarse, por parte do publico. O que gera, com isso, a decadência do ballet romântico.
  Depois de explanar o contexto histórico do século XIX, além de expor uma visão sobre a produção artística e arquitetônica da época, passo, nesse momento, à análise do figurino do filme “Cold Mountain”, de acordo com a pesquisa feita, por mim, sobre a indumentária do século XIX. Vale ressaltar que como o filme se passa em 1864, me deterei à essa época do período histórico estudado.
  No começo do filme, Ada, moça rica, filha de um pai reverendo, sai de Charlinsgton e vai para Cold Mountain, cidade simples, povoada, basicamente, de camponeses. Nesses momentos pode-se notar uma diferença gritante entre as vestes da Srta e do Sr Monroe. Ela possui vestes compatíveis ao seu nível social, utilizando creolinas de armação, um suporte de 8 aros de aço, com aparência de uma gaiola, que era preso à anágua, uma saia, geralmente, branca que ficava a baixo do vestido, além de ceroulas de algodão que serviam para cobrir as pernas, caso o vento levantasse as saias, além de corpetes bem justos e bem decotados que deixavam à mostra os seios, os ombros e parte dos braços. O traje feminino da época variava entre a frivolidade ao comportado, informações encontradas no livro “A Evolução da Indumentária” da autora Marie Louise Nery. Além disso, as mulheres se vestiam como queriam, de acordo com seu gosto e suas necessidades. Um adereço bastante comum na indumentária da época, e visto também durante a primeira metade do filme, são os chapéus-boneca, que deixavam à mostra a parte frontal do rosto feminino. De acordo com a autora Marie Louise Nery, o leque, o guarda sol, que era usado fechado devido aos voluptuosos chapéus, as bolsas pequeninas, jóias em forma de pulseira e broches de camafeu, apliques sintéticos de cabelo, pentes tartarugas e botinhas de cano alto, com saltinho, que ficaram no lugar das sapatilhas, eram acessórios femininos dessa época.
  Já as camponesas não usavam as creolinas, portanto suas saias eram de corte reto e tecido ondulado, além de seus aventais, já que eram donas de casa e cuidavam de suas hortas e seus animais também, ao contrário de Ada na fase inicial da película, a cintura dos vestidos já havia deixado de ser abaixo dos seios e já se encontrava em seu lugar anatômico, a cima dos quadris, e na cabeça usavam lenços, no estilo dos chapéus-boneca, que também só deixavam à mostra a parte frontal do rosto.
  A personagem Ruby é bastante peculiar. Uma mulher com comportamentos, ditos na época, masculinos quando a intenção era se proteger, construir sua própria vida, já que seu pai a abandonara quando era pequena, portanto, instinto de sobrevivência, sabia usar espingardas, matar bichos, porém bastante feminina, já que mantinha os dotes de uma mulher pronta para casar, de acordo com a época. Ela se vestia como camponesa, mas possuía um chapéu masculino, que mais tarde se transformaria no famoso chapéu coco, formato redondo na cabeça e com abas levemente curvadas para cima, usado pelos homens no final desse século.
  Ainda nessa fase do filme, os homens ricos, como por exemplo, o Sr Monroe, se vestiam com ternos feitos com tecidos de alta qualidade, relógios presos a correntes de ouro, óculos para leitura que não eram presos às orelhas, e sim no próprio nariz, relógios de ouro, sapatos de boa qualidade, enfim, os nobres tinham condições financeiras de sustentarem seus luxos, inclusive na indumentária que usavam, tanto homens, quanto mulheres. Os camponeses utilizavam suspensórios, assim como os nobres, porém de baixa qualidade, como também calças e espécies de paletós, além de uma blusa abaixo do suspensório, que no filme fica visível a inferioridade do tecido usado, suspeito que fossem feitas de algodão barato. Ou também, simplesmente, blusas de mangas compridas e calças de tecido de qualidade bem duvidosa.
  Após a chegada de Ruby em sua fazendo, Ada passa a aprender como sobreviver, como cuidar de sua casa, enfim, passa por uma reviravolta em seu formato de vida de moça rica e dondoca. Sendo assim, aquele estilo de roupa enorme, pesada e que diminuía seu movimento corporal, dá lugar às vestes de uma camponesa, no entanto, sem perder tanto o seu ar de requinte, através da boa qualidade dos tecidos, tanto de seus vestidos, quanto de seus casacos. Seus cabelos que eram presos passam a ser solto, ela adquire os dons masculinos que Ruby incorporou em sua vida difícil, para que passe a ser respeitada pelos homens da região que não foram à guerra e abusavam de sua masculinidade, ou se no caso fossem os poderosos da cidade, de seu poder político ou judicial. A qualidade de vida na fazenda mudou, Ada não precisou mais viver à custa dos outros e, inclusive, sua auto estima melhora, deixando de ser uma mulher, totalmente, submissa aos caprichos masculinos, mas agora uma mulher forte, que impõe respeito e honra. No entanto, seu molde submisso ainda existia quanto a crer que Inman era o amor de sua vida e que a ele devia respeito, só que passou a ser algo bem menos perceptível, como foi falado há pouco. Ou seja, suas vestes passaram a ter total ligação com a nova fase de sua vida.
  Os trajes masculinos dos camponeses que lutavam a favor do estado da Carolina do Norte, ou seja, contra o governo, que são apresentados durante a guerra, não fogem tanto ao que já foi mencionado, em relação ao dos camponeses. No entanto, o traje era de cor verde musgo, para facilitar a camuflagem na vegetação para que não fossem vistos pelos inimigos. Já os dos soldados do governo estado unidense eram azuis, com medalhas que imponham respeito de acordo com sua condecoração e posto no exército oficial do país. Ambos os exércitos, tanto o oficial do país, quanto o do estado da Carolina do Norte, utilizavam blusas brancas, por debaixo dos casacos, que eram espécies de paletós, se comprarmos essas vestes com ternos.
  Sendo assim, nossas impressões de hoje, são na verdade uma análise do figurino do filme, como também uma explanação geral de como eram as produções artísticas do século XIX, fugindo um pouco dos comentários tradicionais sobre atuação, fotografia, música, iluminação, entre outras áreas filmográficas.
  "Cold Mountain", produzido em 2003, tem direção e roteiro adaptado de Anthony Minguella, baseado no livro de Charles Frazier, fotografia de John Seale,  música de Gabriel Yared, direção de arte de Maria-Teresa Barbasso, Pier Luigi Basile, Robert Guerra, Christian Niculescu e Luca Tranchino e figurinos de Carlo Poggioli e Ann Roth, e duração de 2 horas e 35 minutos, aproximadamente.

Texto: Ricardo Montalvão

REFERÊNCIAS

COLD MOUNTAIN. Direção de Anthony Minguella. Inglaterra. Intérpretes: Nicole Kidman, Jude Law, Renée Zellweger, Natalie Portman, Philhip Symour Hoffman e outros. Miramax Films e Buena Vista International. 2003. 1 dvd (155 minutos): son. Color. DVD.
_________________. Disponível em http://www.adorocinema.com/filmes/cold-mountain/. Acessado em o7 de dezembro de 2011.
_________________. Ficha técnica e Premiações. Disponível em http://www.adorocinema.com/filmes/cold-mountain/ficha-tecnica-e-premios/. Acessado em 07 de dezembro de 2011.
BERTHOLD, Margot. História Mundial do Teatro. Perspectiva, São Paulo, 2005.
BOURCIER, Paul. História da Dança no Ocidente. Martins Fontes, São Paulo, 2006.
GOMBRICH, E. H. A História da Arte. LTC, Rio de Janeiro, 1999.
LAVER, James. A Roupa e a Moda – uma história concisa. Companhia das Letras, São Paulo, 2010.
NERY, Marie Louise. A Evolução da Indumentária: subsídios para a criação de figurino. Senac Nacional, Rio de Janeiro, 2009.
SÉCULO 19. Disponível em http://www1.uol.com.br/bibliot/linhadotempo/index5.htm. Acessado em 08 de setembro de 2011.

3 comentários:

  1. Gostei do post. Tenho esse filme mas ainda não o assisti. Agora tenho mais um motivo para assistí-lo o quanto antes.
    Abraço.
    GILMAR

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  2. Este é um dos filmes que mais amo, Rick. Obrigado por me permitir retornar à mágica que é assisti-lo. Sempre que o assisto é como se fosse a primeira vez.
    É um filme lindo, estética e roteiros de uma pureza imensa e o Anthony, meu chará, fez um excelente trabalho!

    PS: Que bom que encontraste tempo para suas postagens. Fico contente e curto muito saber suas visões e impressões de filmes.
    Tenho duas sugestões de filmes de Jane Austen. Uma autora inglesa que viveu na época do realismo inglês. Ela é bem irônica, creio que irá gostar bastante dos filmes. Eis:

    1 - Pride And Prejudice;
    2 - Becoming Jane (filme biográfico);
    3 - Persuasion.

    Bj.

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  3. Perdão, Rick. Confundi as bolas:

    1 - Jane foi uma escritora do Romantismo, nao do realismo. Mas, contudo, ela escrevia com as características do Neoclassicismo, devido ao fato de suas obras apresentarem algumas marcas dessa época literária, como o bucolismo, crítica à vida urbana, roupagem linguística bem simples, entre outros. Mas, ela preencheu alguns quesitos da época romântica, também.

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